A Luta da Mulher e o Machismo na
Esquerda
Introdução
A militância da mulher na esquerda é uma luta contínua. Hoje há
espaços de resistência, mas, mesmo nesses espaços, a mulher encontra dificuldades,
uma vez que somos todas (os) filhas (os) e herdeiras (os) do machismo.
Esse texto foi elaborado pelo Coletivo de Gênero Violeta Parra, a
partir de uma discussão com outros coletivos que, juntos, chegaram à conclusão
que esse é um tema recorrente, porém pouco discutido na Esquerda: O Machismo.
Diante dessa questão, elaboramos coletivamente um seminário com o título
“Seminário-Debate: Há Machismo na esquerda?” enquanto provocação, afinal, se há
machismo, porque não o discutirmos? Esse seminário foi realizado no dia 10 de
novembro de 2012, já com a proposta de continuidade, pois a discussão sobre o
machismo na esquerda não se esgota no evento nem no presente texto, mas se dá
em um debate contínuo sobre as formas de superá-lo e de como lidar com uma
opressão tão enraizada socialmente. Assim, esse texto traz uma reflexão sobre
como se dão as relações machistas na esquerda, além de trazer algumas propostas
de superação, tendo como base fundamental para a realização das mesmas a
necessidade dos movimentos da esquerda revolucionária manterem esse tema como
pauta constante.
Por que discutir machismo na esquerda?
A esquerda tem como luta principal a contestação da ordem
capitalista, e o machismo é um dos principais pilares desse sistema social;
logo, a luta contra o machismo só poderia se dar no âmbito da esquerda, ao menos
em tese. Contestar o machismo na direita é ilógico uma vez que o mesmo tem como
fundamento a mulher restringida ao privado e, quando fora dele, sendo oprimida
nos mais diversos ambientes. Ou a esquerda propõe-se a ir contra essa
reprodução ou será incoerente. Dessa forma, a discussão em torno desse tema tem
por objetivo pensar formas de resistirmos e mudarmos esses espaços e, com os
homens, construirmos essa luta conjuntamente. Acreditamos que só assim haverá
de fato um posicionamento de esquerda.
A resistência
Lembremo-nos que a mulher proletária somente passou a ter direito
a alfabetização muito recentemente bem como deixou de se restringir apenas ao
ambiente privado, por esta razão há sim dificuldade em se manifestar enquanto
intelectual. Mesmo a luta da mulher, ou seja, sua história de resistência
passou a ser estudada muito recentemente. Em círculos de discussão, alguns
homens se impõem com a voz, gritando, ou com gestos agressivos. A mulher
dificilmente vai se manifestar diante de alguém assim, e se houver embate
político, ela vai encontrar dificuldade de se expressar diante do tom agressivo
do militante. Além disso, sabemos que nos espaços de militância de esquerda, ao
menos os que não são totalmente voltados para a questão de gênero, a maior parte
será composta
por homens, tendo a mulher a desvantagem numérica, o que deve ser superado. Por
isso levantamos as seguintes questões: quais as nossas iniciativas para
contribuir com a transformação e com a construção de
novas relações sociais? Quais caminhos e ferramentas são apresentados ao
manifestar a opressão dos homens sobre as mulheres no campo da esquerda? Como
lidarmos coletivamente com esse problema? Como dividirmos as tarefas? São
questões pertinentes e queremos trazer ao debate, uma vez que elas surgiram na
organização da pauta e foram orientadoras nos quesitos: casos de violência
contra a mulher e divisão sexual do trabalho militante nos espaços dos
coletivos.
A Família
O mais comum nesses espaços é a reprodução da sagrada família. Por
exemplo, se há um casal de militantes e eles têm um filho, quem ficará restrito
a casa para cuidar da criança? Quem vai deixar de participar das discussões
políticas? A mulher! É a reprodução da família, já dizia Engels. Em um modelo
ideal de sociedade, como a comunista, o filho é responsabilidade de todos os
integrantes daquele grupo humano. Mas, em nosso “bom e velho” capitalismo, essa
responsabilidade se restringe apenas a mulher. De modo geral, não há preocupação dos coletivos em um espaço para as crianças,
que possibilitem que a mãe e o pai possam participar das discussões, inclusive
esse é um dos motivos de haver poucas mulheres militantes. Mesmo na esquerda,
as mulheres ainda estão restritas a casa cuidando de seus filhos e quando levam
as crianças a debates e/ou discussões geralmente a solidariedade com a
companheira partirá de outras mulheres.
Concebendo
a família como núcleo social que se transforma na medida em que a sociedade se
desenvolve, segundo Engels, o modelo de família monogâmica, surgido na fase da
barbárie para a civilização, com concentração de riquezas, domesticação de
animais e agricultura, produção da natureza pelo trabalho, etc., fertilizou e
aprofundou as condições para o patriarcado, que impôs e garantiu a transmissão
da propriedade privada ao seu herdeiro direto. Além disso, tal modelo também
participa da constituição do Estado e suas desigualdades sociais, dentre elas,
a escravidão e a desigualdade entre seres humanos e, em particular, entre
homens e mulheres. Ou seja, um Estado que mantém a posse privada, divisão
social e explora e reprime os que produzem a sobrevivência.
Analisando
a família burguesa, Alexandra Kollontai, participante da Revolução Russa e do
coletivo de operários “Oposição Operaria”, indaga: “não há nenhuma razão para
que nos aterrorizemos diante do fato de que a família sofra uma mudança, porque
gradualmente se descartem vestígios do passado vividos até agora, nem porque se
implantam novas relações entre o homem e a mulher (...), “(...) não temos mais
que nos perguntar: o que morreu em nosso velho sistema familiar e que relações
há entre o homem trabalhador e a mulher trabalhadora, entre o camponês e a
camponesa?”
E quando indagamos o que fazer com nossos filhos quando, pela emancipação, nos libertamos da desigualdade de gênero? Alexandra Kollontai nos responde: "não será a família do passado, mesquinha e estreita, com
brigas entre os pais, com seus interesses exclusivistas para os filhos a que
moldará o homem da sociedade de amanhã. O homem novo, de nossa nova sociedade,
será modelado pelas organizações socialistas, jardins infantis, residências,
creches para as crianças, etc., e muitas outras instituições desse tipo, nas
que a criança passará a maior parte do dia e nas que educadores inteligentes a
converterão em um comunista consciente da magnitude dessa inviolável divisa:
solidariedade, camaradagem, ajuda mútua e devoção à vida coletiva”.Assim,
entendemos que o apoio à educação garantirá a relação afetiva entre pais e
filhos, o não desgaste e a libertação da divisão sexual do trabalho doméstico.
E antes de tudo homens e mulheres serão camaradas.
Alternativas
Sabemos que tanto as mulheres como os homens reproduzem o
machismo. Porém, a mulher, ao negá-lo, nega a um estado de opressão, enquanto o
homem se nega a um “privilégio”. Cabe a esquerda como um todo, homens e
mulheres, discutir essa questão. Alguns coletivos sentem dificuldade nessa
discussão por achar que é exposição de uma fragilidade dentro do movimento,
porém o movimento é sim muito frágil, as discussões de seus problemas são
tentativas de avançar na luta, caso contrário será um retrocesso contínuo. A
questão de gênero perpassa as mais diversas formas de opressão, o que nos faz
recordar a Marx: A opressão do
homem pelo homem iniciou-se com a opressão da mulher pelo homem. Enquanto
houver opressão machista a emancipação da classe oprimida se torna impossível.
A luta
não é só das mulheres, mas de todos que se dizem militantes da esquerda
revolucionária. É importante que os agrupamentos, ao invés de restringirem suas
lutas à reivindicação de “secretarias da mulher”, construam pauta sobre a
questão; mesmo que haja em seus estatutos itens a respeito, deve-se abrir o
debate, a reflexão e a autocrítica, sobretudo dos homens.
Coletivo Violeta Parra
Primeiro comentário do Blog!!!
ResponderExcluirEntão...entrando para dizer que foi muito gratificante participar da elaboração desse texto e ir aos poucos notando todo o machismo que há em mim...
e estar nesse coletivo me faz cada vez entender melhor todos os malditos vícios que herdei desse sistema horroroso chamado capitalismo e seu fiel escudeiro...o patriarcado!
Espero que gostem e está aberto o debate...afinal, para mim, está muito claro que não só há machismo na esquerda, como há uma relutância em se resolvê-lo, em colocá-lo na ordem do dia, em estudá-lo, isso é claro, estou dizendo da esquerda de uma maneira geral, não dos grupos de mulheres existentes dentro dela...
e para vocÊ?