quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Sobre aborto e direitos






O corpo da mulher e a violência do Estado!


Tirem as garras de nossos corpos!

       Recentemente o tema do aborto tomou de assalto as ruas. Na Irlanda, no Chile, na Argentina, no Brasil… As mulheres novamente vêem a esperança de que o Estado e a Igreja deixem de intervir em seu poder reprodutivo. A ruptura com a lógica estatal de domínio do corpo feminino, fundada no patriarcado, não é tão simples de se estabelecer. O sistema capitalista se apropriou do patriarcado, fazendo prevalecer uma forma de exploração e maior extração de mais-valia da força de trabalho feminina, logo não vai abrir mão desse valor a mais que consegue extorquir. As mulheres, diante dessa ordem, ou se submetem aos grilhões, ou tentam destruir a instituição por dentro. Daí surgem as demandas contra assédio moral e sexual, igualdade salarial, legalização do aborto, assistência médica, auxilio creche, direito à reprodutividade, melhoria do sistema de saúde etc., essas são algumas das pautas que não são apenas pela emancipação da mulher, mas pela emancipação da classe trabalhadora. Enquanto a questão da reprodutividade e violência de gênero for encarada pela esquerda como uma pauta do movimento feminista e não como uma demanda da classe trabalhadora, estará se fazendo coro com a lógica exploratória proposta pela ordem patriarcal - capitalista.

O machismo nosso de cada dia

      Segundo dados da Organização Mundia da Saúde, só em 2016, 1.829 mulheres morreram no Brasil por causas relacionadas ou agravadas por gravidez, parto ou o puerpério (período pós-parto de 42 dias). Já uma pesquisa recente realizada pela FGV aponta que pelo menos 50% das mulheres gestantes são demitidas após licença maternidade. Em uma investigação realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em todo o mundo, 52% das mulheres já sofreram assédio sexual. Levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em outubro de 2017, registra que, em média, 135 estupros ocorreram por dia, totalizando 49.497, um crescimento de 4,3% comparado a 2016. Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) quase uma em cada 5 brasileiras, aos 40 anos, já realizou, ao menos, um aborto. Estudo realizado pela Instituição norte-americana Guttmacher Institute traz dados de que Caribe e América Latina possuem os maiores números de abortos no mundo, dos 6,4 milhões de abortos, 76,4 % foram inseguros. Cansou? Imagina as mulheres que vivenciam essa violência diariamente.
      Seja qual for o caminho que a mulher percorrer se deparará com obstáculos impostos pelo capitalismo, que tem seus pés fincados no patriarcado e no machismo. A lei trabalhista e a reforma previdenciária só vêm para piorar o cenário, que já não está muito favorável aos interesses das trabalhadoras e trabalhadores. A questão da legalização do aborto aparece nesse contexto para tentar aliviar um dos vários pesos que o Estado deposita sobre o corpo feminino.
        A ilegalidade do aborto se converte em mais uma forma de genocídio da população pobre, uma vez que a maioria dos abortos clandestinos são realizados por mulheres pretas e periféricas que não possuem R$ 5.000,00 para pagar pelo procedimento seguro, como as mulheres burguesas e algumas pertencentes à classe média. A maioria das que recorrem ao procedimento também possuem alguma religião, as Católicas pelo Direito de Decidir e a Frente Evangélica pela Legalização do Aborto nos mostram que cada vez mais se trata de uma questão de saúde pública e não de cunho religioso. A defesa do direito reprodutivo caminha junto à Educação Sexual, ao direito aos anticoncepcionais, assim como melhoria do Sistema de Saúde. Nos países nos quais houve a legalização viu-se, além da queda do número de realização de abortos, a melhoria do sistema público de saúde.
       Os mesmos que são contrários à legalização, por vezes, se posicionam em favor do patrão em seu “direito individual” em não contratar mulheres, porque estas engravidam, mas se beneficiam em muito de sua mão de obra “barateada”. São estes também aqueles que, provavelmente, quantificam entre os 5,5 milhões dos “sem pai” nas certidões de nascimento. Ou, ainda, aqueles que julgam, assediam, violentam mulheres que são mães solteiras e, não sendo mães, são, por vezes, obrigadas à continuidade de uma gestação indesejada quando vítimas de estupros, ou presas na clandestinidade quando jogadas a “própria sorte”.

Nuestramerica sangra

       A legalização na Irlanda e as manifestações em vários lugares de nuestraamerica reascendeu o debate a respeito da legalização. O exemplo do Uruguai nos mostra uma queda brusca na mortalidade de mulheres em decorrência de abortos. Os estudos mostram que nos países onde a prática é legalizada houve uma queda no número de abortos e no número de mortes maternas, com o acompanhamento de políticas públicas, prevenção à gravidez indesejada, assistência social e educação sexual.
         Ainda assim a realidade não é das mais favoráveis. No Chile vimos ser aprovado aborto em caso de estupro ou risco de vida para a mãe apenas em 2017. Esse ano, em manifestação pela legalização, três companheiras chilenas foram esfaqueadas, ato brutal, não apenas contra a liberdade de expressão, mas um ato escancarado de feminicídio, legitimado por uma sociedade que ainda encarcera os corpos femininos e não pensa duas vezes em fazê-los sangrar. Hermanas estamos con ustedes! Ni una a menos!
      Em El Salvador a legislação é extremamente rígida, a prática é criminalizada mesmo em casos de estupro, fetos deformados ou quando a saúde da mãe está em risco. Há ainda prisões de companheiras salvadorenhas que, mesmo diante de abortos espontâneos, são encarceradas sob suspeita. Veja-se o caso de Teodora Vásquez, que foi solta apenas em 2018, cumpriu 10 anos de cárcere, após ter tido um parto prematuro e a criança ter nascido morta, mesmo sem provas concretas foi sentenciada à 30 anos. Hoje ainda há cerca de 27 mulheres encarceradas devido a essa legislação retrógrada e opressora.
      Na Argentina houve manifestações imensas de mulheres que se puseram nas ruas e que, através dessa luta, fizeram o tema abrir frestas nas paredes do parlamento. Isso mostra que a luta não é construída a partir da instituição, que está dentro da estrutura burguesa, porém, por vezes, os gritos das ruas conseguem alcançar, ainda que parcialmente, as esferas parlamentares.
           Do dia 3 ao 6 de agosto ocorreu, em Brasília, uma audiência pública para debater uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), protocolada pelo PSOL no STF, que exigia a retirada dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam as mulheres que realizam o aborto.
        O Brasil ainda é um país retrógrado com relação às leis que dizem respeito à saúde da mulher. A descriminalização, ainda que seja uma abertura do debate, não garante o atendimento às mulheres no sistema de saúde público, nem que deixem de morrer vítimas de aborto. Logo é de extrema importância levantar a bandeira da legalização e, se há uma lição que a Argentina nos deu, é de que não devemos nutrir esperanças com relação ao judiciário, nem à Câmara ou ao Senado, a luta se constrói nas ruas e é daqui, do chão, de onde essas bandeiras devem se erguer.
          A solidariedade à Argentina foi algo incrível, no Brasil, em frente ao Consulado argentino, mulheres cantavam, levantavam suas faixas, carregando fitas verdes e roxas. Desceram em marcha pela Rua Augusta, lembraram o assassinato da vereadora Marielle, ainda impune, o genocídio das mulheres negras, o direito das mulheres homossexuais, bis e trans e os vários gritos contra a bancada moralista que, se esquecendo que o Estado é laico, ainda buscam encarcerar nossos ovários na moral-cristã-machista-patriarcal.
        Nuestras hermanas lutaram fortemente, com uma mobilização histórica em torno de um tema que mata tantas e tantas mulheres diariamente. O Senado deu a resposta esperada. Aqueles que se declararam pró-vida se basearam em textos de cunho religioso em apoio à ala mais conservadora da Igreja Católica. A Vice-Presidenta declarou abertamente seu repudio à pauta defendendo inclusive retrocessos legais (proibir o aborto em caso de estupro), Macri, por sua vez, se silenciou. Mas a luta não acaba aqui, a história ainda tem muitas linhas por escrever.
          Apesar das mobilizações em torno de várias questões que trazem à tona temas que envolvem a saúde e segurança das mulheres, o Brasil ainda tem muito enraizada uma moral cristã, escravagista e patriarcal. Diante do parlamento vemos várias falas negando o direito ao aborto. Aqueles que querem se fantasiar de progressistas falam em plebiscito, se o mesmo acontecesse, hoje, ganharia o “não”. Assim como temos uma maioria populacional que é contra o aborto há também uma maioria que afirma que se uma mulher estiver com uma roupa curta ou decotada merece ser estuprada. Temos um Estado que não permite um aborto, por vezes, até em menores vítimas de abuso e, no entanto, acolhe pedófilos e estupradores.

Alternativas?

           Há alguns passos que podem nos levar à construção de pautas que fortaleçam as mulheres. Na Argentina se construía trabalhos de base há quase 30 anos. Precisamos nos mover. Propor pautas que nos ajudem a ir conquistando pouco a pouco elementos fundamentais. A Revolução não se faz do dia para a noite, é preciso criar condições. Nos locais de trabalho, debater continuamente a formação e as questões que envolvem assédio moral e sexual. Combater esse Estado assassino que deixa nossas mulheres morrerem em camas de hospitais, as mesmas mulheres que morrem vítimas de abortos clandestinos. Aquelas que, quando gestantes, acabam por sofrer violência obstétrica e carregam consigo marcas e traumas pelo resto da vida. Combate à cultura do estupro que permite que tantas mulheres e crianças sofram abusos, muitas vezes, dentro de suas próprias casas. Gritar: Chega de Homofobia! As pessoas devem ter o direito de amar, essa também é uma pauta do feminismo. Nunca abandonar a bandeira pela legalização do aborto, mas ir construindo a luta como “uma ave que pouco a pouco vai conquistando seu voo”.













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