Durante
muito tempo, prevaleceu a versão de que Iara Iavelberg se matou, disparando
contra o próprio coração, para evitar as torturas a que certamente seria submetida
se fosse apanhada viva no apartamento da Pituba, em Salvador, em 20 de agosto
de 1971, onde estava encurralada pelos órgãos de segurança do regime
ditatorial, entre eles, agentes do DOI-Codi/RJ deslocados para aquele estado na
perseguição final a Carlos Lamarca, morto no mês seguinte.
No
momento de sua morte, Iara Iavelberg era uma das pessoas mais procuradas pelos
órgãos de repressão política em todo o país, na medida em que já era conhecida
sua relação amorosa com Lamarca, inimigo número 1 do regime naquela época. Na
mesma operação de cerco, foi presa Nilda Carvalho Cunha [2], de 17 anos, que
morreria em novembro do mesmo ano, logo após ser solta com profundos traumas
decorrentes das torturas.
Nascida
em uma família judia estabelecida no bairro do Ipiranga, em São Paulo, Iara
Iavelberg sempre foi tida como pessoa muito inteligente e precoce, tendo
interesse por diversificadas áreas da vida cultural, além de ser valorizada
pela sua beleza física. Estudou na Escola Israelita do Cambuci, na capital
paulista, casou-se pela primeira vez aos 16 anos e ingressou, em 1963, com 20
anos, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, localizada na rua
Maria Antônia, onde cursou Psicologia.
Durante
as mobilizações estudantis de 1968, Iara já era psicóloga formada e trabalhava
como assistente na própria faculdade. Mesmo não sendo uma dirigente do
movimento estudantil naquele ano, mantinha imagem de verdadeiro mito entre as
lideranças. Foi militante da Política Operária (Polop) [3], da VAR-Palmares e
da VPR, tendo ingressado no MR-8 poucos meses antes de morrer. Na VPR,
participou de treinamentos de guerrilha no Vale do Ribeira, interior de São
Paulo.
Sua
vida foi retratada em livro por Judith Patarra e, parcialmente, no filme
dirigido por Sérgio Rezende sobre Lamarca, baseado em livro de Emiliano José e
Oldack Miranda. Em ambos, a versão oficial de suicídio, divulgada pelos órgãos
de segurança, é aceita como verdadeira. Na tradição judaica, os suicidas devem
ser enterrados numa quadra específica do cemitério e com os pés – não a cabeça,
como é usual – virados para a lápide.
Apenas
em 22 de setembro de 2003, encerrando treze anos de ações judiciais mantidas
pelos familiares, com apoio do advogado e deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, o
corpo de Iara foi finalmente exumado e retirado da ala dos suicidas do
Cemitério Israelita de São Paulo. O Poder Judiciário curvou-se aos argumentos
jurídicos que ressaltavam as inúmeras contradições presentes na versão oficial
dos órgãos de segurança, bem como no suspeito desaparecimento de laudos
referentes à sua morte.
As
circunstâncias em que morreu Iara são cercadas de dúvidas e contradições, principalmente
pelo fato de que a própria versão oficial só foi divulgada um mês após a sua
morte, em escassas linhas, juntamente com o anúncio da execução de Lamarca e de
José Campos Barreto no sertão da Bahia.
Mesmo
nos relatórios elaborados pelas Forças Armadas em 1993, há divergências nas
versões apresentadas. Enquanto o da Marinha registra que ela “foi morta em
Salvador/BA, em ação de segurança”, o da Aeronáutica afirma que Iara
“suicidou-se em Salvador/BA em 6/8/1971, no interior de uma residência, quando
esta foi cercada pela polícia”.
O
Exército menciona a morte no relatório oficial da chamada Operação Pajuçara:
“No dia 19/8/1971 foi montada uma operação pelo Codi/6 para estourar este
aparelho, o que ocorreu ao amanhecer do dia 20, resultando na prisão de Adriana,
Jaileno Sampaio Filho, Raimundo, Orlando e Nilda Carvalho Cunha. Iara
Iavelberg, a fim de evitar sua prisão e sofrendo a ação dos gases
lacrimogêneos, suicidou-se”.
Mais
intrigante ainda é o desaparecimento do laudo necroscópico de Iara. No Instituto
Médico Legal (IML) Nina Rodrigues, da Bahia, não há nem sequer o registro de
entrada do corpo de Iara no necrotério, muito menos o laudo. A Comissão
Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) buscou, exaustivamente,
os documentos relativos ao caso.
Importantes
perguntas não encontraram ainda uma resposta definitiva: por que não foi
realizada a perícia de local, com fotos da arma utilizada para o suicídio, nem
exames papiloscópicos para comprovar o suicídio? Por que limparam o pequeno
banheiro onde teria se suicidado tão procurada guerrilheira, antes de tirar as
fotos com que se tenta demonstrar o local de suicídio? Por que o relatório
detalhado do que aconteceu em Pituba nunca foi apresentado?
[1]
As informações dessa descrição foram retiradas do livro: “Luta: Substantivo Feminino”.
Nós do Violeta Parra temos o Livro em PDF, se houver interesse basta pedir-nos.
[2]
Também contaremos posteriormente a história de Nilda Carvalho, mas uma vítima
do regime ditatorial no Brasil.
[3]
A Organização Revolucionária Marxista-Política Operária (Polop) nasceu em 1961,
reunindo grupos de estudantes provenientes da Liga Socialista de São Paulo e da
Mocidade Trabalhista de Minas Gerais. Inicialmente, voltou-se para o debate teórico
e doutrinário, rejeitando o conteúdo nacionalista e desenvolvimentista da propaganda do Partido
Comunista: rechaçava, assim, a ideia de aliança com setores da burguesia
brasileira. O caráter da revolução era apontado, portanto, como socialista. Em
1967, a direção da Polop começou a ser criticada pelas bases por imobilismo e
por incorrer em posicionamentos reformistas. A questão da deflagração imediata
da luta armada, nos moldes propostos em 1967 pela Organização Latino-Americana
de Solidariedade (Olas), sediada em Cuba, gerou disputas internas. No fim de
1967 e início de 1968, o que restou da Polop fundiu-se à Dissidência Leninista
do PCB no Rio Grande do Sul para formar uma nova organização, intitulada
Partido Operário Comunista (POC). Em abril de 1970, um grupo de militantes se
desligou do novo partido e voltou a constituir a Polop, agora rebatizada com o
nome Organização de Combate Marxista- Leninista Política Operária (OCML-PO).
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