segunda-feira, 4 de novembro de 2013

E O MACHISMO NA ESQUERDA? A DISCUSSÃO PROSSEGUE...

Por acreditarmos que a muito ainda a se aprofundar na discussão sobre o machismo e sobre o machismo na esquerda, continuamos nos organizando para mantermos um espaço de diálogo entre organizações que possibilite enfrentarmos esse assunto nos unindo e nos fortalecendo, problematizando as medidas possíveis e encarando o problema. Assim, realizaremos uma reunião de balanço do 2 seminário "Há Machismo na Esquerda?", ocorrido do dia 24 de agosto de 2013, que contou com mais de 100 participantes, das mais variadas organizações e independentes (representantes de mais de 30 organizações estiveram presentes).

Também elaboramos um relatório referente a esse evento de agosto e um vídeo contendo as informações veiculadas no ultimo seminário "Há Machismo na esquerda?". O vídeo pode ser acessado nesse link: http://vimeo.com/77828709

Já o relatório foi enviado aos participantes, via e-mail. Caso alguém queira adentrar na discussão e ter acesso ao material, entre em contato conosco (coletivovioletaparra@gmail.com).

Abaixo, segue o texto-base, produzido pelas organizadoras, que narra as discussões acumuladas no período entre os dois seminários, bem como direciona as expectativas dos participantes e esclarece os objetivos do evento:

TEXTO-BASE: 2º Seminário – Há Machismo na Esquerda?

Em novembro de 2012 ocorreu o seminário “Há Machismo na Esquerda?”, organizado por grupos políticos de mulheres da esquerda, trazendo ao debate uma discussão que só acontecia nos bastidores e que, por vezes, diante de casos de machismo dentro das organizações, culminavam no afastamento de várias mulheres e na exposição e “escrachamento” das pessoas envolvidas. O seminário serviu para trazer à publico esta questão, objetivando levar aos nossos espaços de atuação, uma realidade que necessitava ser compreendida e pensada com responsabilidade.

Ao final do evento, a plenária decidiu por uma reunião de balanço já em dezembro, momento em que todas e todos participantes pudessem avaliar conjuntamente uma continuidade do seminário. Tendo um caráter de fórum, os presentes, homens e mulheres de alguns grupos políticos e independentes, ressaltaram a necessidade de prosseguir a discussão, a partir dos pontos levantados durante o seminário.

Na continuidade deste processo, questões como a da denúncia e do escracho foram problematizadas no tocante às formas possíveis de lidar com essas situações: Apoiar ou não apoiar? Excluir ou não excluir? Isso é um problema do coletivo ou de indivíduos? Nomear ou deixar no anonimato? No total, o processo até chegarmos a este segundo seminário durou nove meses, passando por vários momentos: reuniões cheias, reuniões esvaziadas, projetos adiados, formação política, desânimo, novas situações de machismo ocorrendo nas organizações, persistência e reavaliação constante.

Uma vez que o primeiro seminário serviu como provocação, a continuidade do debate precisaria ter um caráter de formação, evitando que o espaço da atividade fosse de utilização denuncista ou que reforçasse o senso comum. Ao longo destes meses percebemos que para debater as estratégias de atuação diante de casos de machismo dentro das organizações, e principalmente para evitá-lo, precisamos compreender as variadas formas de expressão do machismo, entender os encontros e desencontros dos feminismos com a luta anticapitalista, compreender e rever como estão dadas as relações humanas.

Dessa forma contextualizar o histórico de como se deu a organização da esquerda e a sua relação com o feminismo é essencial. Amelinha de Almeida Teles ao resgatar a história do feminismo no Brasil, aponta que em diversos momentos, as mulheres nas organizações tiveram que insistir para que a pauta da libertação da mulher não ficasse de fora da luta política, reforçando que não há luta contra o capital sem que esta seja considerada:

"A luta pela libertação da mulher não deveria em nenhum momento ser desvinculada da busca de soluções dos problemas mais gerais da sociedade. Mas em raríssimas oportunidades as forças políticas que propõem a travar as lutas gerais elegeram a questão da mulher como fundamental para o desenvolvimento do próprio processo de libertação do povo.” (TELES,p.62)

Portanto, o resgate histórico nos permite delinear porque se expressa o machismo na esquerda, considerando como homens e mulheres praticam o machismo, e chegarmos ao ponto de que há uma divisão sexual do trabalho nas organizações. Organizações que se contradizem ao deixarem que persista em suas estruturas um modus operandi patriarcal, por meio desta divisão sexual do trabalho, de estruturas e expedientes burocráticos, reprodução do discurso da democracia burguesa, com práticas punitivas ou completa omissão diante de casos. E que continuam levando a pauta das mulheres como um apêndice, de responsabilidade apenas das mulheres em tocá-la, por meio de grupos de trabalho e secretarias. E não diferente vemos esta condução também nas pautas da questão racial e LGBT, o oprimido que se organiza, e não o todo da organização se organiza diante delas.

Amelinha também nos recorda que nos anos de 1970 "a presença da mulher começou a incomodar dentro dos sindicatos, na Igreja e nos movimentos sociais e políticos". Este incômodo ainda é vivido por muitas companheiras nas organizações atuais, quando muitas delas não conseguem se apropriar de pautas para além da questão da mulher, vemos poucas problematizando outras questões que não passem pelo chamado “campo lilás” da discussão.
Há sim uma diferenciação e priorização de pautas, o que inviabiliza o entendimento de que a luta contra a opressão não pode estar dissociada das demais lutas, empoderar os grupos oprimidos a lutarem é diferente de deixá-los sozinhos tocando o barco. É necessário problematizarmos esta prática que a primeira vista parece acolher, mas que no fundo aprofunda separações, é preciso pensar “até que ponto nossas táticas e estratégias apontam para soluções e até que ponto recolocam a dominação” (Pedro BENEVIDES).

Como Angela Davis bem problematiza, não há como separar machismo e racismo. O racismo está ligado às opressões machistas. Pensar portanto a nossa práxis feminista é considerar gênero, racismo e classes como norte. Tendo a responsabilidade de problematizar que a luta feminista branca e burguesa respalda o cárcere e coopera com o Estado neoliberal, e nós, como militantes da esquerda, devemos caminhar em sentido contrário do que para a burguesia se torna interessante e mantém seus privilégios de classe. Levando-nos a outro ponto, a ser pensado, se a apropriação da via institucional pela esquerda como estratégia de superação do machismo nos trouxe avanços ou retrocessos.

Trazer também para o debate a questão do afeto, da subordinação e violência nas relações afetivo-sexuais no âmbito da esquerda, é também trazer a tona um tema intocado, que só se desponta quando chega ao limite de atos de violência física. E que perpassa por questões que no discurso evidenciamos, como o direito à liberdade e fim da propriedade privada, mas que no íntimo das relações esquecemos de tais premissas, tornando companheiras e companheiros objetos de nossa vontade, e até mesmo nos favorecendo da conveniência de relações destrutivas, mas que mesmo assim, possam nos estar “beneficiando” de alguma maneira:

“Desmistificando ideias como “matar por amor” ou “pancada de amor não dói”, o feminismo reafirmou o seu potencial de contestação e mobilização política ao tornar público fatos antes pertencentes apenas ao cotidiano das mulheres, o que por consequência, legitimou a violência contra a mulher como uma das expressões da Questão Social.”

"É da necessidade de romper com essa relação de dominação e opressão, libertar-se das construções sociais do ser homem e ser mulher e assim superar as desigualdades nas relações de gênero (expressas no trabalho, na sexualidade, na política e em muitos outros campos), que as mulheres organizam-se politicamente no movimento feminista." (Maria Clariça Ribeiro Guimarães)

Esse levantamento de temas que traremos nestas horas de discussão nos mostra que o seminário de hoje não é o suficiente, mas que o mesmo nos permite refletir a necessidade de responsabilização das organizações nestas questões.

Considerando que o direito à participação deve ser garantido para todas e todos dentro da esquerda, entendemos que algumas condições devem ser asseguradas para a construção de um diálogo efetivo. Neste sentido, é importante evitar discussões de casos específicos, bem como a exposição de qualquer pessoa ou grupo presente, com o fim de colaborarmos na construção significativa de um feminismo, capaz de promover a transformação social. Por último, todas e todos nós somos responsáveis pelos processos pedagógicos necessários à consciência, almejando o acúmulo qualitativo deste debate no interior da esquerda.

É importante destacar algo positivo na estrutura de organização deste seminário, o espaço ciranda para as crianças, por entendermos a importância de mães e pais participarem juntos de um evento político. Assim, com o fim de evitar a situação em que mulheres mães deixam de participar dos espaços públicos por conta do cuidado de seus filhos e filhas. Sabemos que isto se reproduz em muitas das organizações, algo que deve ser questionado por nós.

Evidentemente não temos a pretensão de tornar este momento como um espaço único e final de discussões, mas que este seja oportuno para que possamos nos atentar à complexidade de aspectos da superação do machismo. Esperamos que saiamos daqui com muito mais dúvidas do que com respostas prontas, e que desperte em nós o desejo de criarmos novas vivências políticas, afetivas, sexuais e psicológicas, e que estas sejam refletidas na práxis cotidiana de nossas lutas. Não paremos por aqui.


Saudações feministas!

“enquanto se estabeleçam diferenças de deveres e de direitos para qualquer setor social, a luta, em seus diversos aspectos, segue colocada.” (Mujeres Libres)




ORGANIZAÇÃO: ANASTÁCIA LIVRE, VIOLETA PARRA, CASA MAFALDA E INDEPENDENTES



São Paulo, 24 de Agosto de 2013




LEIA MAIS SOBRE:
Angela DAVIS. Rape, racism and the Mith of the Black Rapist. Women, race and class.
Maria Amélia de Almeida TELES. Breve história do feminismo no Brasil.
Maria Clariça Ribeiro GUIMARÃES. Lutas e resistências do sujeito coletivo feminista.
Maria Lucia KARAM. A esquerda punitiva.
Marília Montenegro Pessoa de MELLO. A lei Maria da Penha e a força simbólica da “nova criminalização” da violência doméstica contra a mulher.
Mujeres LIBRES. Textos sobre feminismo e moral sexual.
Pedro BENEVIDES. Referências, nexos e zonas de sofrimento.
Regina NAVARRO. A cama na varanda.
Shulamith FIRESTONE. A dialética do sexo – um estudo da revolução feminista

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