sexta-feira, 25 de abril de 2014

NILDA CARVALHO CUNHA (1954-1971) [1]


Nilda Carvalho Cunha foi presa na madrugada de 19 para 20 de agosto de 1971, no cerco montado ao apartamento onde morreu Iara Iavelberg. Foi levada para o Quartel do Barbalho e, depois, para a Base Aérea de Salvador. Sua prisão é confirmada no relatório da Operação Pajuçara, desencadeada para capturar ou eliminar o guerrilheiro Carlos Lamarca e seu grupo. Nilda foi liberada no início de novembro do mesmo ano, profundamente debilitada em consequência das torturas sofridas. Morreu em 14 de novembro, com sintomas de cegueira e asfixia. Ela tinha acabado de completar 17 anos quando foi presa. Fazia o curso secundário e trabalhava como bancária na época em que passou a militar no MR-8 e a viver com Jaileno Sampaio. Foram eles que abrigaram Iara Iavelberg [2] durante sua estada em Salvador.
Emiliano José e Oldack Miranda relatam no livro Lamarca, o capitão da guerrilha, levado ao cinema por Sérgio Rezende, um pouco do que Nilda contou de sua prisão:

– Você já ouviu falar de Fleury? Nilda empalideceu, perdia o controle diante daquele homem corpuloso. – Olha, minha filha, você vai cantar na minha mão, porque passarinhos mais velhos já cantaram. Não é você que vai ficar calada [...]. Dos que foram presos no apartamento do edifício Santa Terezinha, apenas Nilda Cunha e Jaileno Sampaio ficaram no Quartel do Barbalho. Ela, aos 17 anos, ele, com 18. – Mas eu não sei quem é o senhor... – Eu matei Marighella. Ela entendeu e foi perdendo o controle. Ele completava: – Vou acabar com essa sua beleza – e alisava o rosto dela. Ali estava começando o suplício de Nilda. Eram ameaças seguidas, principalmente as do major Nilton de Albuquerque Cerqueira. Ela ouvia gritos dos torturados, do próprio Jaileno, seu companheiro, e se aterrorizava com aquela ameaça de violência num lugar deserto. Naquele mesmo dia vendaram-lhe os olhos e ela se viu numa sala diferente quando pôde abri-los. Bem junto dela estava um cadáver de mulher: era Iara, com uma mancha roxa no peito, e a obrigaram a tocar naquele corpo frio. No início de novembro, decidem libertá-la. Nilda, então, vai ao quartel-general, junto com dona Esmeraldina, pedir autorização para visitar Jaileno. O chefe da 2ª Seção não permite. Na saída, descendo as escadas, ela grita: – Minha mãe, me segure que estou ficando cega. Foi levada num táxi, chorando, sentindo-se sufocada, não conseguia respirar. Daí para a frente foi perdendo o equilíbrio: depressões constantes, cegueiras repentinas, às vezes um riso desesperado, o olhar perdido. Não dormia, tinha medo de morrer dormindo, chorava e desmaiava. – Eles me acabaram, repetia sempre [...].

Em 4 de novembro, Nilda foi internada na clínica Amepe, em Salvador, conforme prescrição de seu médico, dr. Eduardo Saback. No mesmo dia, os enfermeiros tentaram evitar a entrada do major Nilton de Albuquerque Cerqueira em seu quarto de hospital, mas não conseguiram.
Na presença da mãe, ele ameaçou Nilda, disse que parasse com suas frescuras, senão voltaria para o lugar que sabia bem qual era. O estado de Nilda se agravou, e ela foi transferida para o sanatório Bahia, onde faleceu, em 14 de novembro. No seu prontuário, constava que não comia, via pessoas dentro do quarto, sempre homens, soldados, e repetia incessantemente que ia morrer, que estava ficando roxa. A causa da morte nunca foi conhecida. O atestado de óbito diz: “edema cerebral a esclarecer”. Esmeraldina Carvalho Cunha [3], que denunciou incessantemente a morte da fi lha como consequência das torturas turas, foi encontrada morta em sua casa cerca de um ano depois Em posterior investigação sobre o caso, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) recebeu como resposta do sanatório Bahia que um incêndio destruíra os prontuários em 1984; da Superintendência da Polícia Federal na Bahia, que o inquérito relativo ao indiciamento de Nilda fora encaminhado para a 6a Circunscrição Judiciária Militar, inexistindo no órgão qualquer outra informação sobre ela; do juiz auditor, que nada constava sobre Nilda naquele juízo militar; do Instituto Médico Legal (IML) Nina Rodrigues, que seu laudo cadavérico, bem como resultados de exames complementares, não foram encontrados nos arquivos do órgão.

[1] As informações dessa descrição foram retiradas do livro: “Luta: Substantivo Feminino”. Nós do Violeta Parra temos o Livro em PDF, se houver interesse basta pedir-nos.

[2] Também postamos sobre Iara Iavelberg, consultar o link:  http://coletivodegenerovioletaparra.blogspot.com.br/2014/04/blog-post.html


[3] Posteriormente também postaremos sobre a história de Esmeraldina, mãe de Nilda.

3 comentários:

  1. Que história,. quanta tragédia, quanto heroísmo, e tudo isso estaria, como desejado pelo poder, relegado ao esquecimento, não fosse esse nobre esforço que está sendo feito por vocês do coletivo e por todos que se empenham na grande missão de construir e contar nossa história, eu agradeço profundamente e acredito que as futuras gerações agradecerão também.

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  2. a propósito, não sei o espaço para fazê-lo é esse, mas gostaria, sim, de receber o pdf do livro citado no post "luta, substantivo feminino"
    celsohare@gmail.com
    obrigado

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  3. Agradecemos o interesse Celso. Fizemos uma atividade sobre o tema que foi muito boa e rendeu sobre o tema. Em breve postaremos um texto sobre mais essa experiência. Caso haja interesse há mais duas lutadoras, as quais, também buscamos a memória: Elizabeth Teixeira e lutadoras do Campo e Violeta Parra, quem nomeia nosso coletivo. Continuaremos nessa empreitada pela memória e a vida dessas mulheres tão pouco visibilizadas nessa sociedade sempre vista pela ótica do homem branco, burguês e heterossexual. Encaminharemos o livro para seu e-mail. Agradecemos novamente o interesse. Coletivo de Gênero Violeta Parra.

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