segunda-feira, 7 de abril de 2014

Soledad Barrett Viedma (1945 - 1973) [1]

Nascida no Paraguai e tida como mulher de rara beleza, Soledad era neta de um importante escritor, jornalista e intelectual paraguaio, nascido na Espanha: Rafael Barret. Tanto o pai quanto o avô foram perseguidos por suas ideias políticas. Assim, quando Soledad tinha apenas três meses de idade, a família fugiu para a Argentina, onde viveu cinco anos; em quatro dos quais o pai esteve preso ou foi perseguido, tanto pela polícia paraguaia quanto pela argentina. A família regressou ao Paraguai, mas voltou a se exilar – agora no Uruguai – após a implantação da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989).
No Uruguai, de acordo com sua irmã Namy Barret, Soledad foi raptada em julho de 1962, aos 17 anos, por um grupo neonazista, que a colocou em um automóvel e, sob ameaças, quis obrigá-la a gritar palavras de ordem contrárias às suas ideias. Por ter se negado, os raptores gravaram em sua carne, com uma navalha, a cruz gamada, símbolo do nazismo.
Começou assim um ciclo de perseguições e prisões mostrando que, para a polícia uruguaia, Soledad passou de vítima a culpada. Ela decidiu deixar o país e seguiu para Cuba, onde conheceu o exilado brasileiro José Maria Ferreira de Araújo – militante da VPR conhecido como Arariboia ou Ariboia, desaparecido no Brasil em 1970 –, com quem se casou e teve uma filha, Nasaindy de Araújo Barret.
No Brasil, onde passou a militar pela mesma organização, Soledad foi morta, juntamente com mais seis companheiros, no chamado Massacre da Chácara São Bento, ocorrido entre 7 e 9 de janeiro de 1973 em Paulista, na grande Recife. A militante era companheira do cabo Anselmo [2], codinome Daniel, apontado como agente policial infiltrado na VPR e responsável por levar os agentes do Estado até as vítimas do massacre. [3]
A versão oficial de que havia ocorrido um tiroteio foi desmontada pelas investigações posteriores. Os processos formados no âmbito da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) reuniram provas consistentes de que, na verdade, os seis militantes foram presos em locais diferentes e mortos sob tortura.
Mércia de Albuquerque Ferreira, advogada de presos políticos na época, conseguiu ter acesso aos corpos removidos para o necrotério. Sobre Soledad, Mércia declarou, em depoimento formal:

Ela estava com os olhos muito abertos, com expressão muito grande de terror. A boca estava entreaberta, e o que mais me impressionou foi o sangue coagulado em grande quantidade. Eu tenho a impressão de que ela foi morta, ficou algum tempo deitada e depois a trouxeram. O sangue, quando coagulou, ficou preso nas pernas, porque era uma quantidade grande. E o feto estava lá nos pés dela, não posso saber como foi parar ali ou se foi ali mesmo no necrotério que ele caiu, que ele nasceu, naquele horror.

A análise das fotos feitas pelas forças de segurança no local mostra que Soledad recebeu quatro tiros na cabeça e apresentava marcas de algemas nos pulsos e equimoses no olho direito. Os legistas que assinaram seu laudo fizeram também referências a equimoses espalhadas pelo corpo.
A militante paraguaia foi enterrada como indigente, sem qualquer identificação, no cemitério da Várzea, no Recife. O cantor e compositor Daniel Viglietti, espécie de Geraldo Vandré uruguaio, quando se apresenta em turnês mundiais, sempre canta a canção que compôs em homenagem a Soledad Barret [4]. Além disso, o poeta maior do país vizinho, Mario Benedetti, escreveu para ela um belo poema, “Muerte de Soledad”[5], com os versos:

Con tu imagen segura
Con tu pinta muchacha
Pudiste ser modelo
Actriz
Miss Paraguay
Carántula
Almanaque
Quién sabe cuántas cosas
Pero el abuelo Rafael, el viejo anarco
Te tironeaba fuertemente la sangre
Y vos sentias callada esos tirones
Soledad no viviste en soledad
Por eso tu vida no se borra
Simplesmente se colma de señales

[1] Todas as informações aqui expostas foram retiradas do Livro “Luta, Substantivo Feminino – Mulheres Torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura”.

[2] Cabo Anselmo entregou covardemente Soledad para a tortura, gravida de um filho dele, alguns legistas alegam que o feto de Soledad foi arrancado com um arame durante a tortura. Recentemente Cabo Anselmo deu entrevista ao Roda Viva onde mostrou o quão friamente ele considerou a questão da Soledad, mentindo descaradamente sobre diversas questões já confirmadas e comprovadas. Quem tiver estômago pode buscar a entrevista no youtube. 

[3] MASSACRE NA CHÁCARA SANTO ANTÔNIO
O episódio, ocorrido entre 7 e 9 de janeiro de 1973 no município de Paulista (hoje Abreu e Lima), na grande Recife, revelou-se mais tarde uma encenação montada pelos órgãos de repressão para justificar a execução de seis integrantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR): Soledad Barret Viedma, Pauline Reichstul, Eudaldo Gomes da Silva, Evaldo Luiz Ferreira de Souza, Jarbas Pereira Marques e José Manoel da Silva. De acordo com a versão oficial sobre as mortes, divulgada em 11 de janeiro, os militantes encontravam-se reunidos na chácara São Bento, na noite do dia 8, para realizar um congresso.
Ao perceberem o cerco, teriam reagido a bala. No entanto, ficou demonstrado cabalmente que não houve tiroteio e que os membros da VPR foram presos e mortos sob tortura. O caso ficou marcado pela participação decisiva do cabo Anselmo, agente infiltrado pelo delegado Sérgio Fleury na VPR. Anselmo usava o nome Daniel, sendo companheiro de Soledad, que estava grávida de um filho de ambos.

[4] Um vídeo onde Daniel Viglieti canta a musica feita em homenagem a Soledad está disponível no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=21Kb1--a7Sk e a letra completa pode ser encontrada no link: http://letras.mus.br/daniel-viglietti/838223/

[5] Segue abaixo o poema completo de Benedetti sobre Soledad:
Muerte de Soledad Barret  
Mario Benedetti
Viviste aquí por meses o por años
trazaste aquí una recta de melancolía
que atravesó las vidas y las calles

hace diez años tu adolescencia fue noticia
te tajearon los muslos porque no quisiste
gritar viva hitler ni abajo fidel

eran otros tiempos y otros escuadrones
pero aquellos tatuajes llenaron de asombro
a cierto uruguay que vivía en la luna

y claro entonces no podías saber
que de algún modo eras
la prehistoria de Ibero

ahora acribillaron en recife
tus veintisiete años
de amor templado y pena clandestina

quizá nunca se sepa cómo ni por qué

los cables dicen que te resististe
y no habrá más remedio que creerlo
porque lo cierto es que te resistías
con sólo colocárteles en frente
sólo mirarlos
sólo sonreír
sólo cantar cielitos cara al cielo

con tu imagen segura
con tu pinta muchacha
pudiste ser modelo
actriz
miss paraguay
carátula almanaque quién sabe cuántas cosas

pero el abuelo rafael el viejo anarco
te tironeaba fuertemente la sangre
y vos sentías callada esos tirones

soledad no viviste en soledad
por eso tu vida no se borra
simplemente se colma de señales

soledad no moriste en soledad
por eso tu muerte no se llora
simplemente la izamos en el aire

desde ahora la nostalgia será
un viento fiel que hará flamear tu muerte
para que así aparezcan ejemplares y nítidas
las franjas de tu vida

ignoro si estarías
de minifalda o quizá de vaqueros
cuando la ráfaga de pernambuco
acabó con tus sueños completos

por lo menos no habrá sido fácil
cerrar tus grandes ojos claros
tus ojos donde la mejor violencia
se permitía razonables treguas
para volverse increíble bondad

y aunque por fin los hayan clausurado
es probable que aún sigas mirando
soledad compatriota de tres o cuatro pueblos
el limpio futuro por el que vivías
y por el que nunca te negaste a morir.

Um comentário:

  1. O exemplo de Soledad deveria servir para combater e repudiar o feminismo, que só serve para levar mulheres vigaristas para o congresso nacional. Não foi para isto que Soledad entregou a própria vida. A política precisa (isto sim) de mulheres conscientes, dignas, guerreiras e corajosas como Soledad. Alguém precisa ter coragem para levantar a bandeira do antifeminismo que virou moda. Desculpe o mau jeito. Atenciosamente: ROBERTO FRANÇA e-mail: brenoga@yahoo.com.br

    ResponderExcluir